STJ: Retroatividade do Acordo de Não Persecução Penal: Novo Marco na Justiça Penal Brasileira (Tema 1098)

           


   Em julgamento recente, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou, em 23 de outubro de 2024, teses importantes sobre a retroatividade do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) no Recurso Especial nº 1.890.344-RS, que integra o Tema 1098. Esse julgamento oferece diretrizes sobre a aplicabilidade e a extensão temporal do ANPP, abordando sua natureza híbrida — tanto processual quanto material — e as implicações do princípio da retroatividade benéfica nas normas penais.

          O inteiro teor da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), no Recurso Especial nº 1.890.344-RS (Tema 1098), detalha a evolução e o alcance do instituto, desde sua inclusão no Código de Processo Penal pela Lei nº 13.964/2019, conhecida como Pacote Anticrime, até o entendimento atual sobre sua aplicabilidade. A decisão explora as nuances jurídicas do ANPP e define que ele possui natureza híbrida — tanto processual quanto material —, sendo um instrumento de política criminal e uma alternativa ao processo penal para evitar a ação penal em certos delitos.

Principais Pontos da Decisão

          1. Contexto e Características do ANPP: Inserido pelo artigo 28-A do Código de Processo Penal, o ANPP consiste em um acordo entre o Ministério Público e o investigado, com a participação de sua defesa, que permite evitar a instauração da ação penal mediante o cumprimento de condições específicas. Desde a sua criação, o ANPP tem sido utilizado para crimes de menor gravidade, sem violência ou grave ameaça, e com pena mínima inferior a quatro anos, sendo uma medida alternativa à persecução penal.

         2. Natureza Híbrida e Retroatividade: Conforme entendimento da Terceira Seção do STJ e reforçado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o ANPP caracteriza-se como uma norma híbrida, processual e material. Sua natureza processual decorre da negociação pré-processual entre o Ministério Público e o investigado para evitar a ação penal, enquanto o aspecto material decorre da possibilidade de extinção da punibilidade, conforme o § 13 do artigo 28-A do CPP. Por sua natureza híbrida, aplica-se o princípio da retroatividade da lei penal benéfica, previsto no artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal.

        3. Alteração do Entendimento pelo STF e Incidência do Princípio da Retroatividade: O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus nº 185.913/DF em setembro de 2024, determinou que o ANPP pode ser aplicado retroativamente a casos em andamento na data da vigência da Lei nº 13.964/2019, desde que a sentença condenatória ainda não tenha transitado em julgado. Esse entendimento amplia a aplicabilidade do ANPP, permitindo que réus em processos anteriores à lei se beneficiem do acordo, mesmo que não tenham confessado a infração previamente.

         4. Atuação do Ministério Público e Oferta do ANPP: O STJ firmou que, em processos pendentes até a data do julgamento do HC 185.913/DF, onde o ANPP seria aplicável em tese, mas não foi oferecido ou não houve justificativa adequada para sua não proposição, o Ministério Público deverá se manifestar sobre o cabimento do acordo na primeira oportunidade. Esse posicionamento reforça a responsabilidade do MP em avaliar objetivamente o cabimento do ANPP, promovendo maior uniformidade e justiça na aplicação do instituto.

            5. Aplicação para Casos Futuros: Para processos e investigações iniciados após 18 de setembro de 2024, a celebração do ANPP poderá ocorrer antes do recebimento da denúncia. Excepcionalmente, poderá ser proposto durante a ação penal, dependendo das especificidades do caso.

Fundamentação Jurídica e Jurisprudencial

             A decisão fundamenta-se no artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal, que assegura a retroatividade da norma penal mais benéfica, e nas diretrizes do Código Penal e do Código de Processo Penal quanto à aplicação intertemporal e aos limites das normas híbridas. A jurisprudência, incluindo o AgRg no REsp 1.993.219/CE e o HC 191.464/SC, orienta-se no sentido de que a retroatividade do ANPP deve limitar-se ao período pré-processual, preservando o propósito de evitar a ação penal.


 Teses Firmadas

A decisão do STJ culminou na fixação de quatro teses, resumidas como segue:

1. O ANPP é um negócio jurídico penal com natureza processual e material.

2. Deve-se aplicar a retroatividade penal benéfica ao ANPP, permitindo sua aplicação em processos pendentes desde a vigência da Lei nº 13.964/2019, se o pedido for anterior ao trânsito em julgado.

3. Nos processos pendentes em 18/09/2024, o Ministério Público deve, na primeira oportunidade, manifestar-se sobre o cabimento do ANPP se ele não tiver sido oferecido.

4. Em investigações ou ações penais após 18/09/2024, o ANPP será admissível antes do recebimento da denúncia, com possibilidade de oferta no curso da ação penal.

 Impacto e Conclusão

              Esta decisão representa uma mudança significativa na interpretação do ANPP, ampliando o acesso ao benefício e estabelecendo diretrizes claras para o Ministério Público e o Judiciário na aplicação do acordo. Ao permitir a retroatividade do ANPP, o STJ busca maior justiça e eficiência no sistema penal, alinhando-se à tendência de adotar medidas despenalizadoras que promovam a conciliação e a redução do punitivismo..

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