Aberratio ictus - responsabilização penal do autor com base nas qualificações da vítima à qual se pretendia atingir.



1. Introdução 
 
Aberratio ictus, em Direito penal, significa erro na execução ou erro por acidente. Quero atingir uma pessoa ("A") e acabo matando outra ("B"). A leitura do art. 73 do Código Penal ("Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplicase a regra do art. 70 deste Código") nos levando a concluir da existência duas espécies de aberratio ictus: (1) em sentido estrito e (2) em sentido amplo. 
 
O Presente Texto tem como objetivo analisar o instituto do Erro de Execução tipifica no art. 73 do Código Penal discorrendo sobre seus aspectos e peculiaridade bem como a sua aplicação aos casos concretos à luz da jurisprudência e decisões de Tribunais. 
 
 
2. Erro na execução – "aberratio ictus" em sentindo amplo e 
estrito  
 
Em se tratando do erro de execução em sentido amplo a pessoa pretendida é atingida e também se ofende uma terceira (ou terceiras) pessoa 
(s). 
(1) "Aberratio ictus" em sentido amplo: ocorre quando também é 
atingida a pessoa que o agente pretendia ofender. Ele atinge quem queria ("A") e, além disso, também um terceiro ("B") (ou terceiros). Esse terceiro (ou terceiros) é atingido (ou são atingidos) por erro na execução ou por acidente. O agente, com uma só conduta, atinge duas pessoas: uma ele queria alcançar ("A"); a outra ("B") foi atingida por acidente ou por erro na execução. Isso se chama aberratio ictus em sentido amplo ou com resultado duplo. 
(2) Da aberratio ictus em sentido estrito: observa-se aqui a teoria da equivalência, ou seja, a pessoa efetivamente atingida equivale à pessoa pretendida. Há duas subespécies de aberratio ictus em sentido estrito: (a) por erro na execução e (b) por acidente. 
 
(2.1) Erro na execução: na aberratio itctus (em sentido estrito) por erro na execução a pessoa pretendida está presente no local dos fatos, mas não é atingida. O agente (que quer matar "A" e acaba matando "B") responde pelo crime normalmente, porque a pessoa atingida se equivale à pessoa pretendida (teoria da equivalência). 
(2.2) Erro por acidente: na aberratio ictus (em sentido estrito) por acidente a pessoa pretendida também não é atingida, mas, diferentemente da aberratio ictus por erro na execução, a pessoa visada pode estar ou não presente no local dos fatos. A mulher pretendia matar o marido e colocou veneno na marmita, mas foram seus filhos que acabaram morrendo, por terem ingerido a refeição. 
O Código Penal determina que não há dois delitos (o consumado e o tentado), mas um crime único. No entanto, se a pessoa originalmente visada for ainda lesada, aplica-se o concurso formal que é previsto no artigo 70 do Código Penal. É certo que, na doutrina, tem-se a lição, no regime do Código anterior, de Costa e Silva (Código penal, 1930, pág. 171 a 172) que dizia: “A melhor doutrina, em nosso entender, é a que reconhece, na aberratio ictus, a possibilidade de uma ocorrência ideal de crimes: uma tentativa, quanto à pessoa almejada, e um delito culposo, quanto à pessoa atingida...”. Dizia ele que “a analise das figuras do error in obieto e da aberratio ictus evidencia que elas são muitíssimo diversas entre si. Na primeira, não há como descobrir uma tentativa criminosa contra a pessoa ou coisa que o agente tinha em vista e que nenhum ataque veio a sofrer; na segunda, a tentativa existe perfeitamente caracterizada por um começo de execução. Esta diferença basta para justificar a diversidade de soluções”. Esta a doutrina que dominou na Alemanha, com Hippel, Mezger, dentre outros. Repita-se que o direito brasileiro resolve a hipótese como no modelo anterior, reconhecendo a ocorrência de um resultado único, um só resultado criminoso. Na solução de Carrara, se A dispara o seu revólver contra B, mas a bala, em vez de atingir a este, vai matar C, que está próximo, há um resultado único: um homicídio doloso consumado. A solução reúne as duas realidades de B e C numa figura única – um ser humano, que foi na realidade alvejado e que foi na realidade atingido, tomando em consideração o dolo de homicídio que animou o agente, e o resultado de homicídio em que aquele dolo se realizou e concluindo por um só fato de homicídio doloso. 
 
 
3. Analise Jurisprudencial REsp 1492921/DF. 
 
Em analise jurisprudencial perceba-se que no caso, o recorrente foi denunciado, pronunciado e condenado pela prática de homicídio simples na forma tentada com incurso no art. 121, caput, c/c art. 14, II, na forma do art. 73, todos do Código Pena. Recebendo uma pena de 8 anos e 8 meses de reclusão, em regime inicial fechado. Apelando da sentencia e, sendo parcialmente provido o recurso, diminuiu a reprimenda para 7 anos e 4 meses de reclusão. 
 
Por erro de execução a vitima não faleceu por circunstancias alheias a sua vontade (má pontaria do agente) atingindo uma terceira pessoa, que não faleceu pelo fato dos projeteis ter atingido partes não letais. 
Ressalta-se que votando os quesitos, o Conselho de Sentença acolheu a materialidade e a autoria imputada ao réu, bem como o erro de execução e a tentativa de homicídio. 
Insurge-se a defesa, na primeira fase da dosimetria, contra a análise negativa das circunstâncias judiciais da culpabilidade, das circunstâncias do crime, do comportamento da vítima e dos motivos do crime. Na segunda fase, pleiteia o reconhecimento da confissão espontânea e, na terceira fase, requer seja aplicado percentual de redução maior em razão da tentativa. 
Uma das teses defensivas era o fato referente às circunstâncias do crime, que deveria ser afastada, visto que "o erro de execução foi à má pontaria do recorrente", não podendo ser valorada negativamente. 
 
Entretanto, o magistrado de segunda instancia entendeu que o réu efetuou disparo de arma de fogo em direção à vítima virtual, expondo pessoas á risco, tanto é que chegou a atingir um terceiro, vítima real. 
Assim, as circunstâncias em que o crime ocorreu evidenciariam um maior atrevimento do réu em sua execução, não o beneficiando, mostrando-se, portanto, correta a valoração negativa realizada pelo d. Magistrado a quo. 
Depreende-se do acordão do Superior Tribunal de Justiça em que o 
caso em tela trata-se exclusivamente do instituto do aberratio itctus (em sentido estrito) por erro na execução a pessoa. O agente pretendia executar determinada pessoa, e acaba conseguindo um resultado diverso, atingindo um terceiro. O MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, se referencia em Paulo José da Costa Jr. e Fernando José da Costa em que este leciona que o elemento objetivo da norma será constituído por uma ofensa, de igual categoria àquela pretendida, causada a pessoa diversa daquela a que se tencionava atingir (Código Penal Comentado. 10ª ed. rev. ampl. e atual., São Paulo: 
Saraiva, 2011, pág. 332). 
Em se tratando de caso em que a condenação se dá por aberratio 
ictus, o fato de que terceiro foi atingido, em lugar da vítima real, em razão de erro na execução, constitui elementar do tipo, uma vez que a responsabilidade do agente se dá pela norma do art. 73 do Código Penal, segundo o qual a punição deve ocorrer como se se tratasse da vítima realmente alvejada. 
Como bem exaurido esse instituto, o referido art. 73 constitui que quando, por acidente, ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquele.  
Nesse contexto, o ministro entende que devem ser excluídas a 
negativação dos motivos e das circunstâncias do crime. 
 
Concluindo seu voto dando parcial provimento para excluir a negativação dos motivos do crime. Concedendo o habeas corpus, de ofício, afastando o desvalor atribuído às circunstâncias do crime. Restando a pena definitiva estabelecida em 5 anos de reclusão. 
 
Concluindo assim, a aplicação correta do dispositivo no caso 
concreto para imputá-la o dispositivo do art. 73 CPB. Uma vez que a legislação penal brasileira admite as modalidades de crime na forma tentada e dolosa, não excluindo a imputabilidade nos aberratio itctus considerando assim como se consumado fosse. 
 
4. Conclusão 
 
Ao analisar o instituto aberratio ictus percebemos as suas diversas variações quanto o erro em sentido amplo e o erro em sentido estrito notamos também a peculiaridade na aplicação da norma abstrata ao fato concreto. 
Referenciando o caso ocorrido dentro do Senado Federal brasileiro, um senador, em certa ocasião, disparou contra seu desafeto, errou e acabou matando outro senador (pessoa diversa da que pretendia). 
Depois de um bate boca na sessão do Senado de 4 de dezembro de 1963, Arnon de Melo sacou o revólver e disparou três tiros em direção ao seu desafeto político. Mas acertou Kairala.  A prisão em flagrante foi decretada pelo presidente do Senado Auro de Moura Andrade. 
 
Silvestre Péricles foi enviado para o quartel da Aeronáutica em Brasília, onde ficou pouco mais de um mês. Em janeiro de 1964, ele foi para o Hospital do Exército no Rio de Janeiro, onde passou por algumas cirurgias. Em 16 de abril daquele ano foi inocentando e solto. De licença médica voltou ao Senado em 7 de junho.. 
 
Já a prisão de Arnon de Melo foi mais longa, quase sete meses. Logo após o crime ele foi levado ao quartel do Exército e depois transferido para a Base Aérea de Brasília, onde ficou até ser inocentado pelo assassinato de Kairala, em 30 de julho de 1964. O Senado abriu processo para cassação dos senadores, mas ela foi rejeitada. Arnon de Melo retornou ao Senado no dia seguinte à sua absolvição. 
 Um grande exemplo do instituto penal aberratio ictus. 
 Trata-se tão somente de um crime único: considerando-se que só um terceiro foi atingido (a pessoa pretendida não foi alcançada), só se pode falar (aqui) em crime único, há um só crime: no caso jurisprudencial "A" disparou contra "B", errou e acertou "C". Uma só pessoa foi atingida. Há um só crime (tentativa de homicídio). Para o CP, nesse caso, devemos desconsiderar a pessoa pretendida. Não há que se falar em tentativa de crime contra a pessoa pretendida mais homicídio consumado contra a pessoa que foi atingida. Não. Há um só crime. Portanto, não se pode raciocinar em termos de crime duplo. Ou agravantes que integram o próprio tipo penal. 
Ademais, para o efeito da pena, é como se tivesse atingido a pessoa 
que queria (CP, art. 20, § 3º).  
Entendendo assim, o e. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR entendeu que as circunstancias e motivos do crime integram o tipo penal positivado no artigo 73 do Código Penal afastando todas as questões e agravariam a pena do agente que consequentemente caracterizaria o bis in idem,  vedado no ordenamento jurídico brasileiro. 
Ainda em caso parecido Nefi Cordeiro destacou que, para a 
jurisprudência do STJ, a norma do artigo 73 do Código Penal afasta a possibilidade de se reconhecer a ocorrência de crime culposo quando decorrente de erro na execução de crime doloso (HC 210.696). 
Dessa forma, para a corte, se houver um segundo resultado não pretendido, quando da prática de crime doloso, ele também deverá ser punido como doloso, mesmo que o erro na execução tenha sido causado por negligência, imprudência ou imperícia do autor. 
"Em análogo erro na execução com duplicidade de resultado, esta Corte Superior já decidiu apenas ser culposa a segunda conduta se a primeira assim for considerada", esclareceu o relator. 
Logo compreende-se de um instituto complexo com atenção as especificidade aos casos concretos exigindo sempre sua taxatividade para se caracterizar o erro. 
 
 
5. Bibliografia  
 
ASSUMPÇÃO. Vinicius; ARAÚJO. Fábio Roque. Direito Penal - Resumos para Concursos. 2ª edição. Salvador: Editora JusPodium. 2016 
 
BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940. 
 
GOMES. Luiz Flávio. Aberratio Ictus por acidente ou por erro na 
execução. Disponível em: < http://www.wikiiuspedia.com.br/article.php?story=20070108195650693>. Acesso em: 20 Abr. 2021. 
 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, V.1 - Parte Geral, 14ª 
edição, Ed. Impetus, p. 358. 
 
ROMANO, Rogério Tadeu, UM ASSASSINATO NO SENADO  
Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/50042/um-assassinato-no-senado>  Acesso em: 20 Abr. 2021. 
 
Superior Tribunal De Justiça. REsp 1492921/DF, Rel. Ministro 
SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 16/08/2016, DJe 
01/09/2016) Disponível em < 
https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?i=1&b=ACOR&livre=((%27R ESP%27.clas.+e+@num=%271492921%27)+ou+(%27REsp%27+adj+%27149 2921%27.suce.))&thesaurus=JURIDICO&fr=veja>  Acesso em: 20 Abr. 2021. 

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